segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Zapeando no tédio das manhãs

Após longa ausência, hoje fui zapear pelos canais abertos da TV, na programação matutina dirigida às donas casa, aposentados, desempregados e àqueles que por razões diversas, entregam suas manhãs à telinha companheira da solidão e do tédio.
Como professor, e em poucas investidas profissionais no mercado, sempre fui próximo ao tema e a seus desdobramentos, mas isso não reduziu a perplexidade com o que vi essa manhã. Um circo de horrores comerciais, explodindo todos os limites do que um dia foram conquistas, até de ordem legal, no que se pretendia defesa do cidadão e do consumidor.
Sem diferenciação de classe social, apenas de qualidade e preço dos produtos, mais ou menos a mesma aberrante estratégia ocupava todos os principais canais. De Edu Guedes a Fátima Bernardes, da Record à Band, o criminoso assédio à auto-estima, em especial das mulheres, mas não só, descortinava a certeza que os últimos resquícios de ética haviam ficado nos bancos escolares, ou, mais provavelmente, sufocados sob os contratos nos departamentos de marketing e merchandising das emissoras.
Testemunhais, até do vendilhão Louro José, empurravam para os do lado de cá das telinhas (hoje, telonas) a culpa pelo sentimento de fracasso pessoal, ou de infelicidade. Quem mandou não usar o creme X, ou se empanturrar com a vitamina Y? Quem mandou não superar seus limites, e se tornar empreendedor(a) como a jovemZ, que saiu da favela e hoje é líder mundial na depilação das partes íntimas dos homens modernos?
Não me refiro aos comerciais, nos devidos e legalizados formatos e horários, mas à diabólica mistura entre os personagens de sucesso, ricos e famosos, e os produtos que quase acidentalmente se espalham pelo cenário, e sobre os quais se contam encantos testemunhais em pequenas intervenções. E que, por serem mais caros, talvez por serem ilegais, fazem a fortuna de apresentadores e reforçam o caixa dos patrões.
A legislação chegou a restringir isso fortemente, mas leva jeito dessas leis terem apenas saído de moda. Com o devido e sacana respeito, quando vejo a Ana Maria Braga injetar subliminarmente em seu público-alvo, a cada manhã, determinada mensagem, sinto o quão longe avançamos. Ela parece estar sempre dizendo, nas entrelinhas: “vejam eu, cento e muitos anos bem vividos, aparentemente ainda andando e falando, e isso se deve a essa vitamina aqui, aquele creme ali, e àquele produto acolá... que, desculpem, não estou enxergando sem meus óculos novos, da Ótica Carol”.

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