quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019



De repente, nas dobrinhas do cotidiano, mais uma xexelência da dona Katinha, amor da minha vida.

sábado, 16 de fevereiro de 2019



Amor não é um sentimento, é uma habilidade. Com tal poderoso petardo do jovem filósofo suiço Alain de Botton gastei algumas horas dessa noite meio insone. Com a chuvinha persistente, a noite era um convite ao bom sono, mas troquei parte dela, quietinho e deitado, por aquele que talvez seja hoje meu esporte ou hobby predileto. Pensar. E me esforçando por reduzir ao possível ansiedade e angústia, estados d'alma que não sabem ver o cidadão matutando, e logo querem um lugar na mesa, um copo pra beber de sua bebida. Pensar deve trazer conforto e dar prazer. E nunca culpa por horas, ou mesmos minutos, pretensamente perdidos. Pensar  não traz lucro, nem gera prejuízos, ao menos não deveria, posto que não é mercadoria.

Livre pensar é só pensar!

Repito o dito do Botton: amor não é um sentimento, é uma habilidade. E vejo portas se abrindo a tamanha lucidez. E tocando em algo que me é muito caro, e que me cobre de cuidados ao me expressar. De tanto cantar e decantar meus amores, e tão especialmente o longo e delicioso amor vivido com a Katinha, amor da minha vida, sempre temi, e temo, escorregar para uma visão idealizada do amor, da qual absolutamente não compartilho, e levar às pessoas a falsa impressão de que estávamos, ela e eu, destinados um ao outro, de que seríamos escolhidos e abençoados por Deus ou pelo Diabo, ou que, como cantaria a Tetê Espínola, nosso amor estava escrito nas estrelas. Na na nim na não.

O pior produto dessas idealizações, e já falamos disso nesses papos por aqui, é, eventualmente, mesmo após um doce suspiro, levar sofrimento às pessoas. Se a pessoa embarca nessas idealizações, e num parco auto-exame se sente não contemplada nesse sorteio, talvez cósmico, cujo prêmio é a felicidade e uma imaginária vida de encantos, ela acabará se fazendo infeliz. E nos colocando, Katinha e eu, num patamar onde a felicidade seria a norma, numa vida de fluxos e sentimentos positivos. E sendo a vida só uma, e danada de curta, se chegaria a perguntar: porque que não sobrou nem um pouco dessa festa para minha dança.

Se levarmos adiante a fantasia de que no amor, em seus momentos mais vibrantes, ficaria clara a certeza de que fomos feitos, nas tramas do destino, um para o outro, teríamos que inventar conversa nova se tentarmos entender algo mais comum do que parece. Casais, e não importa com qual afetividade se escolheram, ou encontraram, vivem como dois pombinhos durante anos a fio. Olhamos encantados: ah, o destino! Mas de repente, por tantas razões quanto o número de habitantes do planeta, eclode a crise, a separação e, não raro, aquele tanto amor, por reações que os alquimistas de todas as eras e latitudes nunca conseguiram decodificar, se transforma em desprezo, muitas vezes em ódio (e, atenção, não estão aqui em foco as muitas e muitas separações que se transmutam em companheirismo, belas amizades etc).

Não. O amor não é um sentimento, é uma habilidade. Ultrapassado o primeiro clic, ou atração, que obviamente existe, no momento seguinte o amor já é uma construção, uma habilidade. Nessa habilidade, e aqui decolo eu, o fator preponderante, vital, é a comunicação. Comunicação (que pode render outras conversas, mais puxadas) porque é relacionamento, e não existe outro meio de se relacionar. Comunicação com perfil próprio, onde o silêncio, e cada vez mais com o passar do tempo, ocupa, ou deveria ocupar, uma maior centralidade. E que não se confunda silêncio com palavra sufocada, com impedimento de se manifestar, ou com prostração diante da desatenção e do desprezo alheios. Falo de silêncio ativo, parte da conversa, economia de palavras diante da empatia com a parceira, ou parceiro. Silêncio sem ansiedade, que abriga sorrisos ou olhos cerrados. Silêncio que permite a dois, ou mais, envolvidos matutar juntos, mas separados. Silêncio que permite a dois seres humanos, por exemplo, contemplarem o universo em noite estrelada, vivendo a comunicação intensa de uma mão de um repousando sobre a mão de outro.

O papo é sem fim quando um tal assunto me pega no perdeu, playboy! A comunicação no amor, habilidade a se trabalhar, não é inata, exige que o outro seja reconhecido em sua inteireza, e assim acatado e respeitado. Se se estabelece uma hierarquia no direito à percepção bem informada do mundo, ou à expressão, em especial à fala, o amor já vai saindo de fininho pra fazer sua mala e buscar outro pouso. Manter viva a comunicação efervescente que se estabeleceu na intensidade das primeiras paixões, com a calma que naturalmente o tempo fez pousar, é uma das chaves do aparente mistério que faz boas relações duradouras brilharem aos olhos exteriores.

Brincando com as palavras antes do fim (certamente provisório): a habilidade com as habilidades é que abre o palco para a representação dos sentimentos no amor. E quem fecha as cortinas somos nós mesmos.

Boas matutagens nessa tarde chuvosa e quase fria de sábado. Ao menos em Beagá.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019


Minha finada patroa, que anda metida numa caminhada longa em demasia, carregava no peito uma excitante mistura de braveza e compaixão, ambas com frequência extremadas, que ela dissimulava com charme e elegância. Nunca, ou quase, perdendo a postura, o jeitão de uma, digamos assim, bela, recatada e da vida. Ela era tipo arroz é arroz, feijão é feijão, e quando tomava gastura de um alguém, ai, ai, ai, só uma junta de pacientes especialistas para tentar, eu disse tentar demovê-la.

Mas, para o bem da humanidade circundante, minha Flô foi sempre muito mais de amar as pessoas. Com paixão e disposição para defendê-las até dela mesma, se necessário fosse. E não se poupava. Nos lugares em que moramos, nesses mais de 40 anos, em uma semana já era beijinho pra lá, troca de receita pra cá, e a impressão de que nascera e fora criada por ali. E da empregada à madame, do lixeiro ao coronel, parecia uma coitadinha que só tinha um balaio pra carregar todas as coisas, juntas e misturadas.

Essa era a mulher que tanto amei. E sempre amarei.

Como isso é mais forte que eu, essa falação pescou um caso nas lembranças. Um caso curtinho mas que reflete bem essa minha deusa terrestre.

Numa daquelas tardes modorrentas, na porta do Rouxinol, onde estudava um pequeno Henrique, lourinho e sedutor, enquanto as crianças não atropelavam aos berros a pobre porteira que cuidava da saída, estávamos nós ali numa roda de conversa juntando muitas comadres e um ou dois compadres. Papo vai, papo vem, surgiu conversa daquelas de convergência unânime e imediata, sobre a sacanagem que é as pessoas não necessitadas ocuparem as vagas de deficientes, e por aí. Quem ousaria defendê-las? Ninguém.

Uma das mais excitadas, bem a seu estilo enfático, foi a nossa querida amiga S. Nossos filhos vinham juntos desde o maternal, e tínhamos uma certa intimidade e liberdade pra falar entre nós. Amigos. S. fez uma verdadeira pregação, todos admiravam seus ditos, e me apresentou como exemplo de seus argumentos, dizendo que sabia de meus apertos para estacionar. E foi que foi.

- Cooorta!!! Preparar para a próxima cena, no dia seguinte. E olha eu dando ares cinematográficos a meu caso.

- Claaaquete!!! Cena dois. Luz no ponto? Silêncio no estúdio. Rooooda!!!

Katinha e eu, no estacionamento do imenso Carrefour, na Pampulha. Devido ao horário, sobram vagas pra todo lado, com fartura. Virei o carro e me dirigi às vagas reservadas. Além de mais largas, elas ficam pertinho da rampa de subida. Preparo a manobra para estacionar ao lado de um carro que ali já se encontrava. Foi aí.

Katinha dona de extraordinária memória, especialmente se envolvessem números, deu um tapa no painel, e não vacilou pra levantar a voz, brava.

- Tico, pô, que maluquice! Esse carro é da S. E gente falou tanto sobre isso ontem.

- que nada Flô. É só parecido. Deixa pra lá. Vamos entrar.

- que deixa pra lá, nada. Vou deixar ao menos um bilhete.

- tá bom...

Cena três. Tendo descido a rampa, lá vinha a S., alegre e fagueira, com o carrinho cheio de compras, carinha de estar em paz com a vida. Quando ela chega uns cinco metros de nós, os olhos de S. se cruzam com os da Flô. Assustada, meio em choque, sem trocar palavras, S. olhou se não tinha um ralo em volta para mergulhar.

Aí, entrou em cena a curiosa personalidade de minha Flô. S. ensaiou inventar desculpas, mas conhecendo bem a Flô, desistiu logo. Seus olhinhos se encheram d'água. Olhei pra Flô, os dela também. Flô deu dois passos adiante e, encontrando a S. tornada estátua, a abraçou apertado. Muito apertado. Trocaram umas lágrimas. E saíram para o outro lado, uma com a mão no ombro da outra, conversando baixinho. Depois até riram.

Eu, que a essa altura já tinha me tornado parte da paisagem, cocei a barba, liguei o rádio do carro e fiquei matutando sobre a sabedoria da Rita que cantou que mulher é bicho esquisito.



A vida é matreira, mas como é bela. Hoje completam-se oito meses sem a Katinha, amor da minha vida, a meu lado.
Saudades infindas, mas a tristeza vem dividindo a cadeira com a gratidão. Portanto, que essa seja a música que comemora, hoje, meu amor por ela. E o dela por mim.

Video sobre os " Kene". Tecelagem Huni Kuin


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019


Arnaldo e eu éramos adolescentes, e mais que irmãos, amigos-irmãos. E fizemos boa parte de nossas formações pessoais, fortemente humanistas, conversando noite a dentro, sentados no murinho da casa na esquina de rua Boa Esperança (onde ambos morávamos) com rua Passatempo, no bairro do Carmo, Beagá. Então um bairro de classe média, de casas baixas, no máximo sobrados, construídas sem ostentações.
Para se ter uma leve ideia, e não é esse nosso gancho de hoje, quando mudei pra lá corria o ano de 1949, e eu tinha um aninho, já paralítico e enfiado em tratamentos... existiam apenas três casas naquele primeiro quarteirão, a partir da rua Montes Claros. Diante de minha casa um campo de futebol, vacas pastando pra todo lado, e sob a janela, onde eu viveria grandes momentos, o caminho em meio ao mato, que levava à igreja do Carmo, ao tempo construção tosca e pequena. Ai, ai, ai, outros e outros causos.
E lá estávamos, Arnaldo e eu, uns 13 ou 14 anos depois do momento contado abaixo. Ele, filho de conhecido líder comunista, servidor nos institutos (como se denominavam o IAPC, IAPI, IAPTEC etc, antes de se juntarem), o João de Deus (sic) Rocha, o Rocha. Eu, filho do dr. Jacy de Britto Figueiredo, odontólogo, simpático à UDN e fã do Lacerda, muito careta e bem preconceituoso, bom de papo, mas enjoado quando implicava com algo, e como implicava. As mães, mulheres fortes, são outras histórias.
Conversando, rindo muito, esticando papos com outros amigos da turma de rua. Nenhum tão próximo, nem tão íntimo. Uma de nossas especialidade era filar cigarros, um ou dois, de passantes, e do coitado do guarda-civil que, ali, andava pra lá e prá cá, se protegendo do sereno apenas com um cassetete e um apito, que nunca vi apitar, zelando pelo sossego de um figurão, procurador geral do Estado, morador da casa ao lado. Figurão, mas de vida incrivelmente simples e modesta se vista pelos padrões e arrogância de hoje.
Levávamos para nossos papos a cosmovisão de duas casas parecidas, mas totalmente antagônicas. Acho que foi desde então que me interessei pela curiosidade, e pelo respeito ao que o outro tem pra me contar, e que eu ainda não sabia. Descobri que não havia estupidez maior e mais inútil que o invadir o momento da fala alheia, e mesmo depois de seu término, com a voracidade de ocupar os espaços e atenções. Tipo "ah, precisa de ver eu...", "mas se fosse eu...", "comigo isso...", "lá em casa então..." e o terrível, danoso e irritante "eu avisei... eu avisei... eu avisei". A fala do outro, seja qual for, sempre merece ser ouvida, digerida, meditada, mesmo se em segundos. E que a ela se deem as suites que elas mostravam carecer. E não devemos ter medo, nem ansiedade, nossa hora chegará, e será uma delícia ser ouvido, digerido, meditado.
Justiça gosto de fazer com os que, àquela época, gostavam de nos ensinar, de nos ouvir com respeito e seriedade, de pesar nossos argumentos, mesmo se não raro singelos, e contrapor ensinanças, lições de vida. O Rocha, pai do Arnaldo, com certeza foi bom mestre sendo bom comunista. Nos dava leituras mais teóricas, discutia argumentos. Era talvez excessivamente sisudo nessas horas. Mas um grande pra nós, ali, com bola no chão, foi um vizinho dele, pai de duas grandes amigas, e dois rapazes, que era visto pelos pais da redondeza como meio maluco beleza. Daqui a pouco vou cutucar a filha dele, grande amiga nesses redes, e que hoje vive nos States. Ela, sem ciúmes, sabe o quanto amei e aprendi com seu pai. Élcio Camões de Oliveira, funcionário também dos institutos, pintor que não atingiu a fama, discípulo e amicíssimo do velho Alberto da Veiga Guignard (Eduarda Pacheco entende disso) e que me deu a honra de pequena convivência, em Ouro Preto, com o guru da pintura mineira. Élcio, homem forte, saia de casa apenas de camiseta, não usual à época, ia nos encontrar naquela esquina, sentado com gente no murinho e na calçada, e gastava parte de seu tempo, até noite, mergulhado com o Arnaldo e comigo em grandes conversas, ou em longos e contemplativos silêncios. Foi ali, entre nós, que descobri, para sempre, que Deus era uma balela cuidadosamente esculpida pelos homens dominantes, mas, em compensação, foi ali que aprendi, também pra sempre, a contemplar e amar o cosmo e o infinito, e aprendi a amar o reflexo desse amor sem fim que brilhava a meu lado, no mais miserável menino faminto, ou assustado que me estendia a mão.
A meus olhos, Élcio era um grande humanista e libertário. E ainda o lembro assim, firme e pra frente, apesar da imensa provação que a vida lhe impôs, zelando durante anos e anos, muitos, pela Marisa, filha amada, então numa cama, em estado vegetativo. Eu também amava a libertária e feminista pioneira Marisa, linda, leve e solta. Se olho de hoje, não tenho dúvida de que a Marisa foi a amiga mais marcante que tive em minha vida (um detalhe: Marisa era unha e carne, naqueles dias, com uma vizinha que morava um pouco distante, meio sisuda e com fama de inteligente, chamada Dilma Rousseff). E que o Arnaldo foi o amigo mais marcante.
Sobre o Élcio, um registro que sempre gosto de fazer, por ter sido pra mim uma lição eterna. Estava eu meio macambúzio por alguma coisa que ouvira, quando ele, ali na esquina, me pegou pelos ombros e meteu os olhos nos meus, e mandou bala:
- Paulinho, atenção!, não aceite nunca a piedade alheia. E sabe porque? Porque a piedade é o gozo do medíocre.
Óbvio que o causo planejado, de uma travessura braba que o Arnaldo e eu fizemos, fica adiado por um tempinho. Por agora, apenas uma contextualização dos personagens. Não muito depois daquelas noitadas, a ditadura militar chegou com suas garras ferozes, e sobraram muitos arranhões para a dupla de amigos. O Arnaldo, um homem bonito e forte, absolutamente avesso às injustiças, um homem de ação, não demorou muito a cair na clandestinidade, militando na luta armada contra o regime. Eu segui vivendo, estudando, militando sem disciplina, de minha forma desorganizada, sempre tendo o anarquismo como sonho íntimo no peito.
Eis que na carreirinha chega o janeiro de 1973. Poucos dias depois de ter tido um contato ligeiro e hiper-clandestino com o Arnaldo, as balas do delegado Fleury e seus asseclas despedaçaram o corpo de meu amigo nas ruas de São Paulo. Logo logo, questão de dias, a notícia de que meu irmão mais novo morrera num acidente de estrada, no famoso trevo da morte, em Uberlândia.
Eu estava fazendo o possível e o impossível para sair do Brasil por uns tempos. Razões subjetivas e objetivas. Eu já estava formado em Ciências Sociais, e dava aulas de Psicologia Social como professor substituto. Eu estava com meu fusquinha recuperado (mas o venderia mais à frente pra fazer caixa pra viagem). Pretinha então era doce saudade. O coração batia forte por uma aluna da psicologia, baixinha e bela de abafar meu fôlego. Nosso caso não avançou muito, eu temia que por aquela paixão os planos da Europa viessem por terra. Eu tinha que ir. Aqueles três anos, sem voltar aqui, seriam fundamentais para meu reequilíbrio pessoal, dentro do possível. Abafei a paixão. Fui. Ela se casou com um grande amigo, jornalista, e as vidas seguiram. Não nego, que não sou de negar, que durante essas décadas, ela trabalhando, crescendo e brilhando na boa militância, eu feliz da vida ao lado da Katinha, amor da minha vida, quando a gente se encontrava nas coisas da vida social. com muitos interesses comuns, os meus olhos ficavam meio fugidios, e batiam pequenas cafubiras na espinha. Esse sou eu. Engraçado, penso agora, é que ela não tem ideia disso que agora conto, e não sei se ela se sentirá homenageada ou traída em nossa longa amizade (inclusive porque ela sempre passeia por aqui, nas páginas desse Facebook). Ver-se-á. Para o maridão, amigo, um beijão carinhoso.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Aos que me leram por aí, e ficaram com a pulga atrás da orelha, pensando "sei não esses causos todos, assim...", a esses eu garanto, e agradeço a oportunidade, que obviamente sou um mentiroso. Sem mais, nem menos. E digo que sem ser mentiroso, fantasioso, brincalhão com ideias e palavras, putz, não dá nem para começar a tentar contar causos, histórias, balelas, e até meras fofocas. As verdades, os prazeres e as dores da vida só são passíveis de virar histórias, e chegar aos outros, se a mentira antes traçar os parâmetros e observar o quanto precisa oferecer de si para tornar causos e histórias compreensíveis, toleráveis pela sensibilidade dos outros, e especialmente interessantes. Uma história, um causo, só passa a ter vida quando alguém se interessa por recebê-lo. Feito a gente mesmo, que só existe porque alguém nos reconhece, se interessa, nos traduz. Um ermitão só pode ser ermitão porque ele deseja se afastar das pessoas, ou seja as pessoas ausentes são a condição básica pro ermitão ser ermitão. Se elas não existem, ele alcançaria no máximo o status de solitário, ou de abandonado. Confere?

Por isso, sem humildade alguma, ao me reconhecer um mentiroso, eu digo que só posso sê-lo porque você se ofereceu, até se encantou, disposta ou disposto a acreditar em mim. A curiosidade e a dúvida são as matrizes do interessante, de algo ser atraente. Em especial algo imaterial, como o causo ou a história. Fundiu, deu fumacinha? Apaga logo que o tempo é de catástrofe.

Agora, preparo e afio meu dedo indicador, e como não sou proctologista, nem urologista, nem tarado de metrô, eu o enfio na tela, e ele vaza aí do seu lado, na telinha ou no telão, e aponta pro seu nariz, e brado: somos todos mentirosos! Como já andei dizendo, a diferença está no fato de eu me encontrar no grupo dos que sabem disso, que não se culpam por isso, que se divertem com isso, e que usam isso, infelizmente, nem sempre para o bem.

O que regurgitou essa conversa, agora mais floreada, foi o atilado e carinhoso comentário do Afonso Barroso: "É muito bom ler histórias assim, quando bem escritas. Pode ser ficção, realidade, fantasia ou tudo misturado, como você faz tão bem, caro Paulinho Saturnino Figueiredo Segundo". Me senti realizado e compreendido diante dessa erupção de causos e outros que me tomou, não sei porque, depois de tanto tempo literariamente, mas não só, mais lento e prostrado.  Saber não sei, mas chego a desconfiar. E não é, de cara, na vitrine, paixão ou mulher. Desconfio do doutor Esquerdo (até nisso faço questão), um de meus médicos, esse recente, que com feitiço e agulhadinhas andou abrindo umas porteiras enferrujadas na vastidão desse sertão, seco e meio descuidado, em que veio se tornando minha mente meio cansada. Algumas cumulus nimbus parecem se juntar nesses meus horizontes.

Ali, logo acima, como se pra separar madeira de brasa, foi que neguei às mulheres e às paixões o reconhecimento por romper obstáculos e desenhar meus destinos. Mentira pura, café com gordura, como repetíamos na minha infância que, por tão distante, me autoriza todas as mentiras.

Ah, as mulheres... e fiquei sozinho às gargalhadas ao encontrar a cena que nunca me saiu da moleira, e que (olha as bruxas aí, minha gente) deliciosamente estava me chamando quando despertei, hoje, de um cochilo à tarde. Sua benção Youtube, eu te adoro! 

Vamos à ela. Sequência hilariante da absoluta obra-prima do Federico Fellini, Amarcord.
É quando o maluco tio Teo, num passeio da família, sobe numa alta árvore, e declara guerra à família, e se recusa a descer. Suas condições para ceder são claras e irremovíveis. Aliás, sua condição. E ele a grita, para que o mundo o ouça.

- VOGLIO UNA DONNA... VOGLIO UNA DONNA... VOGLIO UNA DONNA (QUERO UMA MULHER...QUERO UMA MULHER... QUERO UMA MULHER)

E tio Teo na certa estaria lá até hoje, aos berros, não fosse a intervenção pontual e segura da misteriosa freira miudinha, com quem -por quais razões?- ele aceita ir pro hospício. E escrevo aqui, gargalhando como um tio Teo, maluco não sou... ainda não sou... sei lá, acho que ainda não... e o pior que ando namorando umas árvores por aqui por perto, tive até a ideia de pedir aos Bombeiros (depois que eles descansarem de Brumadinho) para me içar com guindaste e me colocar no galho mais alto... e eu nem tinha ideia do porquê dessa piração (se há dias coloquei meus Damares de lado)... mas agora, putz, já não sei... eu não seria tão ridículo... pior é que seria... ai, ai, ai...

Enquanto essa alucinação não se dissolve, peço àqueles que tenham algum contato com a Itália, em especial com Rimini, que sondem por lá se a freirinha ainda está viva, se ela teria vontade de viajar até ao Brasil, à Minas Gerais, ao bairro Santa Amélia, para eventualmente levar uma conversinha rápida daquelas com um... um... conhecido.

https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=_dn63mQeO4E

Bruxas? Não acredito, mas que existem, ah, existem. E tentam me dizer algo de poético, encantado.Ontem à noite, enquanto arrematava um causo, uma música divina, inesquecível, vinda de um passado profundo e de intensas emoções, passeou por minha cabeça e se assoprou em assovios distraídos.Maria, Maria, Maria, um dos temas do também inesquecível musical hollywoodiano West Side Story (Amor Sublime Amor), de 1961, do Jerome Robbins e Robert Wise, tendo a belíssima Natalie Wood no papel principal e modestos dez Oscars na bagagem.A latina Maria sendo interpretada pela branca Natalie Wood hoje seria rejeitada pelos movimentos sociais. E com meu apoio, desde que não tentassem destruir o passado da arte, e buscassem analisá-la dentro de sua época e seus condicionantes ideológicos e de produção. Mas esse é outro papo, infindo e ardoroso
Maria, Maria, Maria... haja coração.
O enigmático vem agora. Depois de uma noite bem dormida, inclusive por ter parido o caso da Maria, Maria, Maria, ops, digo, da Pretinha (me desculpem o erro... é que elas são vizinhas em minha alma poética), acordei e liguei a TV, como de hábito, sintonizada no canal em que estava o timer, e que embalou meu adormecer (nem carece xingar, que sei o quanto isso é danoso etc).
Nessa madrugada, como muitas vezes, no Telecine Cult, canal 666 da Net. Acordei, esfreguei os olhos, e cutuquei o controle. Fiquei besta, bege, arrepiado. O que estava passando? West Side Story, e um pouquinho depois soou o Maria, Maria, Maria. Meu velho coração se desplugou por minutos do vigilante marcapasso, e saiu dançando quarto a fora. Na minha cabeça só a velha certeza de que a vida é bela.
Uma correção: eu disse estava passando e, nada disso, ainda temos uma hora de filme pela frente. Se eu fosse você, veria ao menos um pedacinho.
Beijocas dominicais.

West Side Story no teatro. Integral.


Como se lê na Wikipedia:

West Side Story (brAmor, sublime amor — ptWest Side Story - Amor sem barreiras) é um musical com libreto Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim. É inspirado por Romeu e Julieta de William Shakespeare.
A história se passa no bairro de Upper West Side, em Nova Iorque, em meados dos anos 1950, um bairro de minoria étnicas e classe trabalhadora. (No início de 1960, grande parte do bairro seria desmatada em um projeto de renovação urbana do Lincoln Center, mudando o caráter do bairro)[1]. O musical explora a rivalidade entre os Jets e os Sharks, duas gangues de rua adolescentes com diferentes origens étnicas. Os membros dos Sharks, de Porto Rico, são insultado pelos Jets, uma gangue branca. O jovem protagonista, Tony, ex-membro dos Jets e melhor amigo do líder da gangue, Riff, se apaixona por Maria, a irmã de Bernardo, o líder dos Sharks. O tema sombrio, música sofisticada, cenas estendidas de dança e foco em problemas sociais marcou um ponto de viragem no teatro musical americano. As canções de Bernstein para o musical como "Somewhere" tornaram-se bastante conhecidas.
A produção original da Broadway de 1957, foi dirigida e coreografada por Jerome Robbins e produzida por Robert E. Griffith e Harold Prince, marcou a estréia de Sondheim na Broadway. Realizou 732 performances antes de sair em turnê. A produção foi indicada para seis Tony Award, incluindo Melhor Musical em 1957,[2] mas o prêmio de Melhor Musical foi para The Music Man. Robbins ganhou o Tony por sua coreografia e Oliver Smith ganhou por suas criações cênicas. O show teve uma produção de Londres que ficou mais tempo em execução, vários revivals e produções internacionais, incluindo Brasil e Portugal. Ganhou uma adaptação para o cinemaem 1961, dirigida por Robert Wise e Robbins que venceu 10 Óscar incluindo Melhor FilmeDireção e melhor ator e atriz coadjuvante para Rita Moreno e George Chakiris.
(A beleza da Pretinha que retive na memória sempre me remete ao maravilhoso Orfeo Negro, especialmente nessa cena)


Corria sem suavidades o ano da graça de 1972. Melhor dizendo, mais um ano da desgraça brasileira. Eu estava nos meus derradeiros períodos do curso de Ciências Sociais, da FAFICH-UFMG, e no fundinho desejava dar um tempo longe do Brasil triste e reprimido de então. Mais do que um sonho, aquilo soava a um delírio. E o problema, ou solução, é que eu adorava, e adoro delírios. 

Para viver, sobreviver e juntar uma graninha, eu passava o dia na Faculdade. Era comum levar um sanduíche de mortadela de casa, e almoçá-lo com uma copada de café na cantina do Ernesto. A úlcera de esôfago deu até um tempo antes de cobrar a conta. Eu estudava de manhã, e à tarde cumpria funções diversas, de monitoria ou não, no Setor de Psicologia Social, sob a inspirada liderança do grande mestre Célio Garcia. Por aqui, outros causos, futuros. 

Meus deslocamentos eram meu calcanhar de Áquiles. As muletas me davam limitadas autonomia de andanças, e eu não conseguia usar transporte público, nem tinha grana pra táxi. O básico eram caronas, paternas ou outras, uma famosa pedição para outros, “oi, gente boa, tudo ok? Tá indo pra onde? Pode me deixar ali na esquina de X com Y? Que bom.  Vamos lá “. 

Fundamental era contar com os amigos mais velhos, ou bem aquinhoados, que tinham seus caros, ou filavam os dos pais. Outra fonte deliciosa de causos. A esses amigos, de verdade, e à paciência deles pra me rebocar praqui e pracolá, devo o que consegui ser. Talvez por isso eles se arrependam, mas já é tarde. Perderam, Playboys!

Vixe! Nem eu me aguento. Que saco. Onde fui parar. Volto ao causo. No início desse 1972, meu pai me deu um fusquinha amarelo, e minha vida virou de cabeça pra baixo (até literalmente, como veremos logo ali). Reprogramei-me física, cultural, profissional e, com certeza, até sexualmente. Ir a motel de carona, e eu ia, era, quando pouco, constrangedor para as parceiras. E nenhuma nunca chiou. Compassivas que eram, ainda me olhavam com os sorrisos mais lindos. Pergunto: um cara assim pode se queIxar da vida? Nem sendo demente. 

Com meu fusquinha, e a intervenção de amigos, logo arranjei trabalho como professor de relações humanas no Senac. E trabalhei como uma mula esconjurada, em todas as horas liberadas pelos compromissos acadêmicos. E comecei a juntar uns trocados. Certos dias chegava a dar dez aulas seguidas, de 50 minutos cada, com 10 de intervalo. Irreais porque alunos se agarravam em mim pra papinhos de arremate. Apesar de um spray de gengibre e própolis regar a goela, vez ou outra a voz sumia, se escondia no banheiro. 

Numa turma noturna, de repente surgiu uma pequena deusa. Linda, me cobria de sorrisos, de palavras, e sempre eu notava que após essas aulas meu cabelão, em rabo de cavalo graúdo, minha barba e minhas roupas ficavam faiscantes. Logo percebi que eram os brilhos intensos dos doces olhares da Pretinha que haviam respingado em mim.   

Um dia, não muitos dias depois, ao sair do prédio após minha última aula, tipo onze da noite, fui para meu carro estacionado ali pertinho, na rua Tupinambás. Vagas não eram problemas então. Não vi a porta. Nela estava encostada, o mesmo sorriso, o mesmo olhar, a linda Pretinha. Me olhou nos olhos, e foi direta:

- estou apaixonada por você, e quero ser tua.

Isso. Assim. Nesse tom novelesco, o que me surpreendeu, por ser Pretinha, uma moça, aparentemente tímida, que ainda não chegara a seus 20 anos de idade, apesar dos séculos de beleza miscigenada que nela se acumulavam. Se não me ajoelhei na calçada para beijar seus pés, de tanto encanto, foi porque meus aparelhos ortopédicos eram menos românticos que eu. Trocamos um beijo ligeiro, entramos no fusquinha e fomos aos desdobramentos que então eram menos aceitos que hoje em dia. 

 E foi cheio de orgulho, por não estar de carona ou taxi, e sim de condução própria, que, coração na boca, mergulhei no corredor escuro do Motel Hawai, na subida da antiga BR3 (aquela do Toni Tornado). O que ali se viveu e se vibrou, é coisa que um cavalheiro não conta, não tem direito de contar nem na beira do túmulo. Tenho vontade de estrangular esses babacas, incompetentes, que filmam e fotografam suas parceiras nessas horas, e depois tentam chantageá-las, aborrecê-las.

Pretinha que, tendo corrido tudo bem, hoje deve ser uma belíssima mulher na flor de seus 65 anos, mulata, charmosa, doce e sensual. Na certa, uma mulher de sucesso no que escolheu realizar na vida. Namoramos um tempo não longo. Pretinha tinha projetos diversos dos meus para o futuro breve, e para nossa paixão.

Chegou o dia que seria determinante. Depois da aula, ela me convocou para uma festa familiar. Queria que as pessoas me conhecessem. Fomos. Chegamos numa casa bonita, distante do centro. Quando ela me apresentou seu tio, o dono da casa, com quem ela morava, acho, tremi nas bases. Um negro bonito, forte, charmoso... e titular naquele time inesquecível do Cruzeiro (até para um americano). No ambiente, um pouco embaçado quando visto de agora, o Natal, o Dirceu Lopes, o Piazza. Talvez até o Tostão. E a Pretinha passeou comigo de braço dado. Via-se que ela havia falado de mim, e provavelmente bem. Meio zoado com tanta novidade, bebi uma, bebi duas, bebi todas. E ela me chamava a atenção. Me lembrava que eu teria que dirigir um bom pedaço. Me convidou a quietar por lá até resgatar o juízo. Nada. Eu me preocupava com o que tinha que fazer pela manhã na Faculdade, em verdade, mais que isso, quis dar uma de macho. Despedi-me. A festa já em baixa. Entrei no fusquinha, e fui.

Mais ou menos, pelo que me lembro, tive alguma lucidez e controle até chegar perto do Colégio Loyola. Dali uma grande descida que cruza duas avenidas importantes, depois uma subida de uns 100 metros, se tanto, e uma curva de 90º à direita. Pois esse foi o trajeto que, penso, fiz dormindo e misteriosamente incólume. Até que acordei entrando na curva, e motorista ainda pouco experiente, dei um golpe forte no volante, tentando o controle.

Tentando, disse bem. O fusquinha, em boa velocidade, capotou de uma vez, e subiu a avenida do Contorno, no rumo do Colégio Estadual (meu paraíso... agora ameaçando levar isso a sério), com o teto ralando o asfalto, rodas pra cima, cintos ninguém usava, até bater no poste que fica na esquina da rua Marquês de Maricá. E escalou o poste de bunda, o motor em cima, e parou quase na vertical, as rodas voltadas para a rua.

E eu lá dentro, de cabeça pra baixo, curando bebedeira na porrada e sem saber reagir. Tudo, nesses momentos, se mede em segundos. O óleo escorreu no motor quente e, pelo vidro traseiro estourado, o carro se encheu de fumaça. Juro que não sei como, saí pela janela e me arrastei para o meio do asfalto. A curva é muito perigosa, e de velocidade, e sem visibilidade, mas eu estava protegido pelo relógio. Eram 4 horas da manhã. Sem trânsito.

Logo apareceram pessoas saídas das casas (um amigo de um amigão meu fala disso até hoje), mas nada me marcou mais que o rapaz que estava com o carrinho de Hot Dog na esquina de cima, e que, correndo, foi o primeiro a chegar. E daí estabelecemos um dos diálogos inesquecíveis de minha vida:

- sai daí, moço, levanta logo. Você vai acabar sendo atropelado.

- você tá certo. Obrigado, disse eu. Mas pega minhas muletas pra mim ali dentro do carro. Veja se elas estão inteira.

- que muleta, moço? Cê tá é bêbado. Levanta daí. Deixa eu te ajudar.

E ele me deu uns dois tapinhas na cara ralada, suja, meio ferida. E insistiu:

- levanta...

- eu só consigo com minhas muletas. Acredite em mim.

Felizmente, bom homem do povo, ele acreditou, providenciou, e eu logo estava de pé, sóbrio como no dia da Primeira Comunhão, e morrendo de vergonha de mim mesmo. E da Pretinha. E isso acabou sendo um balde de água fria em nossa relação fogosa. Deu DR. Tesão baixou. E seguimos nossos caminhos, certamente um lembrando do outro com carinho e emoção. Fico fantasiando que em algum lugar do planeta, um dia ela lerá essa reverência carinhosamente relatada. E que, lendo, respire fundo, contemple o infinito do cosmo, e que me dedique alguns minutos de seus mais poéticos devaneios. Acho que ando precisado.


sábado, 9 de fevereiro de 2019


Hoje, no almoço, eu me deliciava com um poke, via delivery, que tinha como proteína salmão cru. Eu me sentia com um urso feliz sentado à beira de uma corredeira gelada e translúcida. De repente, senti-me mal. Fui tomado por uma grande dor.

De consciência.

Lembrei-me, com o coração alegre, de que ano após ano, a Katinha, amor da minha vida, fez até o impossível para que eu ao menos experimentasse a iguaria que ela adorava.

Eu sempre fazendo biquinho e cara de gastura, e eu pedia arroz com frango frito, coisas assim, e ela frustrada por não ter parceiro para dividir aquelas barconas que a deixavam com os olhos brilhantes. Vez ou outra ela pedia, comia meio aborrecida e trazia a sobra para nosso filho. Esse sim, seu parceiro gastronômico.

Senti foi vergonha e culpa, bem humoradas mas severas. Deu vontade de voltar atrás, ao menos para um jantar, mas dizem que na burocracia do astral os mortos nunca, ou quase nunca, recebem licença pra adquirir uma passagem de volta. Mesmo que no vapt-vupt.

Final carente de charme. Sabe como experimentei e aderi. Num restaurante prepararam meu prato com a carne errada. Quando descobri, já não quis trocar. E se reclamei no final, mas paguei, foi só pra não perder a pose.

Vou ali comer o que sobrou do almoço. Aceita? Você come salmão cru? Não, cara, não acredito. É tão bom. Basta não ser cagão, e experimentar as coisas. Que saco!

Disperso como sou, só consegui aprender a meditar quando, paciente e docemente, minha girante me ensinou.


Girando
encantaste
girando
bela
girando
todos
girando
meus
girantes 
sentidos

Acreditem. Meio amargurado, eu preparava uma postagem há mais de uma hora. Tipo um livre pensar. Mas o Facebook piscou e engoliu, sumiu. Já cacei, e nada. Só por pirraça, vou tentar reproduzir, ao menos em parte.

Agoniado com tanta injustiça, fiquei trançando assuntos, e esticando, em busca de puxar uma conversa. Desde ontem ando cansado, meio detonado por minhas encrencas respiratórias. Ressaca mais tardia da pequena devastação que a pólio deu de inventar para meu corpinho inda bebê, há 70 anos passados. Êta vírus safadinho e zoador. Há uma década, ou quase, vieram uns piripaques, uns inexplicáveis desmaios nos braços da zelosa mulher-amante, e fui tirar férias bem tensas no CTI do LifeCenter (só nessa trajetória já são causos e causos, para um dia).

Daí, herdei o hábito, digamos assim, de passar, em média, e incluindo-se sonos e cochilos, bem uma 12 horas diárias plugado pelo nariz em maquininhas inteligentes, malucas e carinhosas. Umas robozinhas do bem, hoje um Trilogy100, de aluguel caro pra dedéu (nem rima, nem solução) que a Unimed banca numa boa (e o SUS também, num processo mais complicado, por carência de recursos). Na ponta do lápis, a Unimed sacou que um ano de aluguel desse meu parceiro custa menos que uma semaninha de CTI, mesmo sem direitos a lagostas, open bar e um borbulhante de qualidade que não seja Sonrisal, esse liberado. 

Antes de levantar essa tela, e mostrar outra, espero que tenham ficado claras as razões por que nunca posso basear, ou seja, ficar baseado na fumacinha matreira de um autêntico Damares, bem enroladinho e promissor de maluquices várias. Os meus ficam só apagados, embora uma fungadinha na capa já me deixe meio goiaba. Meu Jesus! Cuidado pra não cair.

Em frente. Talvez ali haja algo que possa interessar, puxar o cantinho da boca amargurada da amiga ou do amigo, tentando um esboço de sorriso. Misteriosamente, acordei do cochilo do pós rango com um nome latejando na cabeça: Julião de Albuquerque. Conhece, ou conheceu? Não? Sorte sua. Esse era, veja só, o pseudônimo que usei na juventude para me inscrever em concursos de poesias e contos, muitos. E que não se duvide da competência e do bom senso das comissões julgadoras: nunca puxei um prêmio, nem uma menção honrosa, nem tendo amigos na banca. Elas cumpriram, com garbo e zelo, a missão de proteger a literatura brasileira contra pequenos desastres. Glória!

Prossigo. De viseira. Que hoje não quero saber de política, economia, notícias, dessas merdas, que hoje quero mesmo é ficar abraçado, agarradinho e solidário com o meu guru Lula da Silva, mesmo daqui, rogando juntos todas as pragas contra esse bando de filhos da puta que não abrem mão de massacrá-lo. Tento manter a calma, e prossigo, porque navegar é preciso.

Eu tentava todos os concursos. Nos de dança, no Elite e por aí, nem aceitavam minha inscrição. Diziam que o requebrado com meus aparelhos ortopédicos eram um tanto ao quanto ridículo. Insensíveis. Nos raros concursos de humor, eu era um pouquinho melhor considerado. Talvez pelo pseudônimo charmoso então usado, e que viera dos bancos escolares e da mente criativa dos muitos e muitas amigos e amigas que me mostraram como era o paraíso, nos três anos que com eles convivi no Colégio Estadual Central, em Beagá, nos idos de 1966, 1967 e do extraordinário 1968. Se penso em crescimento pessoal, os três melhores anos dessa minha já longa vida, e outra inesgotável fonte de causos, se a memória não cumprir as ameaças que vem fazendo.

Ah, e o tal pseudônimo? Paola de Roterdam, a Louca.

Alguns amigos, ainda hoje, por vezes me chamam assim, e se cagam de rir. E nesse ítem destaco, e homenageio, um cara de memória persistente, e que fica fissurado em mim quando me chama de Paola. Esse sim, um imenso e consagrado poeta. Meu amigo-irmão há mais de meio século, Márcio Borges, filho de Maricota e Salomão. Uma peça. Quando podíamos engatar um papo, hoje raríssimos, entre gargalhadas empunhávamos saca-rolhas implacáveis, e arrancávamos causos, mentiras e videotapes da cabeça um do outro.

Em frente, posto que minha massa cerebro-goiabal amoleceu, as barragens em montante(!) do bom senso, da lógica e do compreensível estão por se romper, e os bombeiros estão ocupadíssimos com lamas mais relevantes. E vou me encostar, agora de modo resumido, na ideia que me movia ao iniciar a digitação dessas mal traçadas linhas.

O tema seria o perigo latente ao nos insinuarmos como contadores de causos, e o conforto gostoso que pode ser nos escondermos meio safadamente atrás de pseudônimos. Embora no diz-que-diz incessante da internet, esse recurso tenha ficado na saudade. O gatilho que gostosamente me fez pensar: o talentoso e belo ator norte-irlandês, Liam Neeson, se fodeu solenemente ao esticar um causo periférico numa entrevista daquelas que antecedem o lançamento de um novo filme. Generalidades e papos-furados.

Puxou na treinada memória, mas sem quê, nem pra quê, um causo velho de 40 anos, acho que ainda em sua terra. Uma grande amiga dele fora estuprada e agredida por um negro. Não sei se sobreviveu. Aí ele, dando de imprudente linguarudo na entrevista  errada, foi contar que então pegou um porrete, e, sendo grande e forte, rondou o bairro dos negros durante três ou quatro dias, querendo encontrar o estuprador e matá-lo na porrada. Tipo um momento Bolsonaro em sua vida.

E o mundo lhe caiu sobre a cabeça. Ele parece ter ofendido a tudo e a todos. A festa de lançamento do novo filme foi cancelada, o tapete por onde desfilaria retirado, e ele, que não é burro, percebeu que se lançou no bíblico Vale de Lágrimas. E se meteu numa supliciosa fila de entrevistas tentando se justificar, pedir perdão a quem magoado se sentisse. Mas sabe que não será perdoado, nunca, como é próprio nessa indústria do entretenimento. Sei que a máscara que me esconde é menor que a do Robin (ora em separação litigiosa do arrogante Batman, mas essa é outra história) e que ando muito volumoso para me esconder atrás de novo pseudônimo. Mas, pensando bem, quem se interessaria em me processar, calar minha boca, a não ser os bolsonarinhos que já deixo repousar no meu coração.

Enrolei, enrolei, e não cheguei no causo prometido. É que fui tirá-lo do freezer, e observei que ele estava bem mofado por baixo. Pus na janela pra oxigenar, e logo logo ele poderá ser servido.

Palavrinha final: não suporto ver o Lula assim condenado à prisão perpétua, pena taxativamente proibida em nossa Constituição. A não ser, nos subterrâneos sem lei, para condenar traidores da pátria, terroristas e outros presos políticos. Para lá arrastaram o Lula, e me sinto profundamente infeliz por AINDA não poder tirá-lo de lá.


Deliciosa sensação de liberdade que o blog volta a me dar.

Poder postar, sem temores, uma obra que me emociona profundamente desde a primeira vez que a vi.

A Origem do Mundo, de Gustave Coubert. Óleos obre tela, pintado em 1886, em exposição permanente no Museu d'Orsay, Paris.

Expor essa grande obra em meu Facebook abriu, pra mim, uma porta do inferno. Tentei lutar por meus direitos à liberdade de expressão, e fui suspenso seguidas vezes, até chegarmos ao bloqueio de minha página por um ou dois anos, não me lembro. 

Foi daí que tive que reiniciar tudo, garimpar os amigos, para montar com grandes prejuízos pessoais e afetivos uma nova página. Daí esse II depois do Paulinho Saturnino Figueiredo.

Esse é um causo que muito me magoou e irritou, e sobre o qual não insisto muito, inclusive porque o Facebook foi movido, então, por um bombardeio contra mim feito por uns idiotas que logo depois passaram a ser chamados de Bolsominions.

DESCRIÇÃO DO QUADRO A ORIGEM DO MUNDO

Nas épocas mais puritanas, esse quadro de Gustave Coubert tinha tudo para chocar. Ele representa o sexo e o ventre de uma mulher lascivamente deitada sobre uma cama, no mais simples aparelho. O enquadramento foi feito nesta parte da anatomia feminina e o espectador não pode ver nada além das coxas e dos seios da modelo.

A ORIGEM DO MUNDO DE COURBET

Voluntariamente provocadora, esta obra distorce as regras vigentes até então. Regras que reservavam — ou pelo menos toleravam — nus inscritos nos contextos das grandes cenas mitológicas ou oníricas, sem se confrontarem diretamente ao real em sua crueza mais extrema.
Gustave Coubert rejeitava os nus planos e, claro, os nus idealizados da pintura acadêmica. Na época em que foi pintada, A Origem do Mundo — hoje exposta no Museu d'Orsay — podia ser considerada como pornográfica. Contudo, a obra não tinha vocação pornográfica e podia ser até ser  considerada como "aquela que dava a última palavra do Realismo". Na verdade, existe representação mais fiel da origem do mundo, tal qual conhecemos? Obra centrada na representação sensorial e intelectual que fazemos, na qual o sexo e o ventre de uma mulher são transmissores dos segredos do dar à luz, à vida e, portanto, dar origem ao nosso mundo?

ANEDOTAS SOBRE COURBET E A PINTURA A ORIGEM DO MUNDO

Diversas anedotas e mistérios envolvem o quadro mais famoso de Gustavo Coubert, o qual propomos falar hoje.
O primeiro segredo que o quadro ainda esconde diz respeito à identidade da modelo. Como o rosto dela não está representado, fica extremamente difícil identificar formalmente a mulher que posou e que permitiu que Gustave Coubert pintasse A Origem do Mundo. Para alguns, a modelo poderia ser Joanna Hiffernan, representada em outros quadros do artista. Para outros especialistas, dentre os quis Thierry Salvatier, o quadro pode ter sido pintado com base em uma fotografia.  O historicista Gérard Desangers lançou a hipótese na qual a modelo podia ser Jeanne de Tourbey, amante do comanditário do quadro: um diplomata turco.
Uma outra hipótese, que deu lucros à imprensa em 2013, dizia que o quadro atual seria somente um fragmento de uma obra maior. Entretanto, os especialistas que trabalham no Museu d'Orsay recusam tal ideia e afirmam que o formato do quadro, tal qual pode ser admirado atualmente em Paris, é seu formato original.
Conquistados ou chocados, não deixem de admirar esta pintura de Gustave Coubert na próxima vez que você for ao Museu d'Orsay em Paris!

O maravilhoso e sempre sensual desenho do mestre Milo Manara


Mil vivas à preguiça, mãe do progresso




Equação certeira. Causo puxa causo na ordem direta da extensão do carinho e da leveza da curiosidade que moverá eventuais ouvintes, leitores, amantes das imagens. Causos, quanto mais se vindos de cabeças envelhecidas, tal a minha, são frutos de garimpos em riachos já extorquidos. Causos tentam sobreviver em meio à massa de pensamentos que cada vez mais se atropelam, acuados pela ansiedade que os homens vêm escolhendo para ditar seus ritmos, causos ainda são pepitas que faiscam, tímidas e raras, escondidas nas bateias cheias de calhaus.

Tenho profundo amor pelos causos. Os que ouço, leio, vejo, ou os que conto. E tento não encará-los, mesmo que eles assim se anunciem, como historietas interessantes e gozadas perdidas no passado do tempo. Sempre busco ver os causos como historietas, sim, mas capazes de revelar, mesmo que um pouco, como eram e estavam os personagens então, e como os enredos produziam sentido à época, mas que foram se esvaziando com o fluir implacável da história. Nunca esquecendo que o revisto e relatado com olhar de agora, quando renasce, está cheio de novas significações. Aderências que se fizeram enquanto os causos e historietas repousavam, às vezes pra sempre, nos desconfortáveis becos da memória. Pois, é nessas quebradas que vivo trocando cotoveladas com o politicamente correto, e por vezes apanho, já que alguma utilidade brota dele

Ô bicho velho, que papo mais cabeça. Você não anda fumando em excesso os enroladinhos Damares? Tá virando daquelas coisas que só dá pra ler com um copão de café forte à mão. Do not worry about! Vez ou outra carece mostrar que fui, e talvez ainda seja, cientista social. Lembrar que tudo é relativo, menos o absoluto, e que mais valem dois pombos na mão, que um te cagando na cabeça, ou que atirei o pau no gato tô tô, mas o gato tô tô, não morreu, ao contrário do pobre Léon, do Sétimo Guardião. Peraí, que vou apagar esse Damares ali, que já sapequei o beiço. E vou logo alisar e seduzir meu travesseiro, e ele vai chamegar minha cabeça. Mas, nem sempre é assim. Nos noites em que suas espumas estão naqueles dias, aí é guerra. E até me sufocar o danado já tentou.

Olha a baixaria. Vou dar só a cabeça do causo de logo mais, mesmo sabendo que isso é uma tentativa canalha (tomara que não funcione) de fidelizar a deliciosa audiência, sempre surpreendente.

Vamos. O causo é de quando eu tinha um fusquinha amarelo, me apaixonei pela linda Pretinha e quase fui parar no cemitério, e de cabeça pra baixo (ou de ponta cabeça, expressão que o imperialismo cultural paulista vem impondo ao enlameado Brasil).

Doces sonhos, ou bom dia.

Como a vida é mais saborosa quando passa pela boca prosadeira de um mestre como Geraldinho, presente de Goiás.



https://www.youtube.com/watch?v=zZGF3vRDyIE

Presente matinal do amigo Maurinho, quase melômano visceral (não é doença, mas é danado pra contagiar), que me fez chorar, mas que também me encheu daquela certeza de que viver vale a pena, especialmente para quem sabe, e soube amar.

Quanto à velhice e essa solidão essencial que ela empresta à vida, isso é uma fantástica chance para os que chegaram lá. A Katinha, amor da minha vida, apesar de nossos planos, não conseguiu. A morte, ora, a morte, ela nada mais será do que o fechamento da vida. Todas as vidas. Democrática e isonomicamente. Como a natureza havia nos contado desde a chegada, mas a gente insistiu em esquecer.

Compre duas flores, e me leve junto, querida tia!


Aos que não descartam suas cartas

Tépido é sinônimo de morno. E digo isso porque vou usar a palavra ali adiante, e talvez alguns já não se lembrem de seu sentido. E porque essa mania de ficar cutucando palavras? Primeiro, porque sabidamente sou um cara metido à besta. Já não engano ninguém. Mas também porque sou um cara de compaixões, muitas, e não suporto ver certas palavras lindas, mas tímidas, sentadas no salão dos dicionários sem que nenhum felizardo vá tirá-la pra dançar sobre as páginas brancas e sedentas. Uma covardia. Nessas horas, como faço aqui, humildemente me aproximo e pergunto se ela se dispõe a devolteios comigo. Eu prometendo, e nem sempre cumprindo, não lhe passar as rodas da cadeira sobre os pés. E se é um bolero, colo a boca em seu ouvido e sussurro, propaganda enganosa, que todo portador de necessidade especiais (eca, detesto essa expressão) pode portar também gostosuras especiais. Elas costumam ceder, e aceitam se despir em meus causos.

Estava eu, inda agora, enfiado num banho tépido, matutando sobre a vida (e, além da limpeza programada, os banhos servem para três coisas básicas: matutar, cantar e colocar em dia o para-casa libidinal) quando uma lembrança me deixou rindo sozinho.

A lembrança do dia em que um rapazote, aqui em casa, puxou um papo sobre cartas. Ele não imaginava, olhando de seu mundo de zaps, emails etc, como seria um contato entre pessoas distantes movido a cartas. Principalmente, como funcionava um mundo de cartas. Eu, que escrevi milhares de cartas, boa parte delas de amor, durante a vida, respirei fundo, e disse a ele que se sentasse, que eu iria tentar explicar. Senti-me um velho caquético (outra moçoila que aceitou bailar comigo), mas, talvez por orgulho, fui em frente.

- pense, disse eu, naquela bandeja de sushi que você leva para a balança, antes de devorar. Tá ligado?

- Tô ligado, disse ele rindo.

- cartas são como aquelas bandejas, e os sushis são as palavras. A gente pegava um papel e enchia de palavras, vez ou outra juntava uma foto, uma flor seca, coisas de preferência não pesadas, dobrava tudo aquilo no maior capricho, enfiava num envelope e se dirigia ao caixa, ou melhor, aos Correios.

- Correios eu conheço, Paulinho, também não é assim, né? Aquele lugar de entregar e buscar encomendas.

- isso aí, confirmei. Levando a carta aos Correios, logo quem nos atende saberá, na balança, nosso apetite de palavras. Cobrará o preço correspondente, e nós pagaremos. Igual o que você pagou por seus sushis. E aí põe nossa carta de lado, esperando o delivery.

- delivery?

- cartas nunca são consumidas no local, ou no balcão. O delivery leva as danadinhas, mais ou menos apetitosas, a mesas distantes, onde fregueses em geral ansiosos vão degustá-las em refeições quase sempre solitárias.

- acho que estou seguindo seu papo...

- a diferença, talvez fundamental, é que os sushis, após degustados, seguem seu nobre caminho fisiológico. As palavras não. Elas talvez, em sua digestão, lembrem mais a ruminação de uma vaca. E no fim do périplo digestivo costumam ser regurgitadas sob a forma de outras palavras. E tudo recomeçava. Ao menos era assim.

- zap também é assim. Só que mais rápido e curtinho, né?

- matou a pau, cara! Eu nunca conseguiria resumir com tanta sapiência.

- vou andando. Essa tal de sapiência fica pro próximo papo. Valeu.

De verdade. É impressionante como as coisas são fáceis de serem explicadas. Basta antes entendê-las, né?

Sobre o causo que estou devendo, e já virou novela, acho que o mofo que o envolvia quando tirei do freezer, já saiu quase todo. Logo logo será usado. Lembrando: o causo envolve a bela Pretinha, meu fusquinha amarelo e eu quase ter ido pro cemitério de cabeça pra baixo. E pensar nisso, entre arrepios, me remete ao apóstolo Pedro, crucificado de cabeça pra baixo, e dizem que por ordem de um juiz muito malvado e injusto chamado Sergivs Morvs, e por ter se recusado a assinar uma tal de delativs premiatas. Loucuras da antiguidade.