segunda-feira, 23 de março de 2020




Há vários longos anos, novas complicações em minha saúde me empurraram para uma aposentadoria um pouco precoce. Passei, então, a viver num semi-isolamento social. Logo me ajeitei, apoiado numa vida caseira dinâmica e afetuosa. Sem sofrimento.
Com a morte da Katinha, amor da minha vida, há 649 dias, houve uma mudança profunda em minha vida. Por razões várias, fui caminhando para um isolamento intenso, e só não mais severo porque as fantásticas redes sociais, e os amigos que fui encontrando, em grande maioria virtuais, me mantiveram em equilíbrio e em chamêgo com a existência.
Mas, nos moldes em que construí minha vida, enquanto na ativa, vida ativa, afeiçoada ao amor e ao trabalho, meu cotidiano passara a ser de isolamento após a viuvez. Mais do que apenas costume, adquiri gosto pela vida assim. Sem sofrimento.
Meu isolamento convivia bem, e até se equilibrava com a vida em movimento e liberdade que eu percebia na vida e nas histórias dos amigos. Acho que era um modo de estar em circulação também, e de vivenciar liberdade de movimentos.
Foi isso o que mudou, estou quase certo. No meu cotidiano, afora uns bons incrementos nos cuidados caseiros, e o fato de ter o meu filho por perto todo o tempo, em home office, minhas atividades vem sendo quase as mesmas, no mesmo ritmo.
Então, porque essa estranha sensação de sufoco, e essa sombra de tristeza sobrevoando minha cabeça? Claro que, de um lado, essa tragédia desconhecida e sem tamanho é determinante. Mas, ver os amigos, e as pessoas em geral, desnorteadas e sofrendo com o isolamento social a que estão, digamos, compulsoriamente sujeitas, isso quebrou a equação de meu equilíbrio.
Parece que passei a sofrer, a me fazer ansioso com o sofrimento que o isolamento vêm trazendo a elas. Fico impotente, sem saber o que fazer ou dizer. Sem saber como ser companhia, divertí-las um pouco.
E o mais angustiante é imaginar que estamos apenas no início de uma história desconhecida. Que mais que um episódio efêmero e passageiro, daqueles que rendem boas histórias futuras, estamos todos frente a uma grave mudança na vida, pessoal e social que não virá num estalar de dedos, mas sim de uma crítica radical, e inadiável, de nossas incompetências, e da insustentabilidade de uma vida tão desigual.
Cá no meu canto, sonho que essa realidade modificada traga a humanização na comissão de frente.