quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Tem hora em que a velhice é mesmo uma titica. Cá estou, postado diante da TV, determinado a ver a longa live do #Alok, que, confesso, eu não sabia de quem se tratava. Fui no embalo e na curiosidade. Passada meia hora, e faltando outras três, me rendo... ao enfado. Não entendi o que ele faz lá, mergulhado em luzes pseudo-psicodélicas, e em caríssimos testemunhais publicitários. Me pareceu um Ratinho, ou uma Ana Maria Braga futuristas. Na próxima vez, havendo, virei chapado para talvez reavaliar minha caretice.


 Postado no Facebook, em 22/12/2020

terça-feira, 15 de dezembro de 2020





Essa moça bonita, e muito calma, é garçonete do Ah! Bon, no Diamond Mall, BH. Ela trabalha lá há muitos anos, e sempre se antecipava para nos atender. As simpatias eram mútuas, e os sorrisos sempre presentes.


Desde que a Katinha, amor da minha vida, morreu, e lá se vai ano e meio, eu nunca mais voltara ao restaurante. E era um lugar em que nós íamos com grande frequência, nos fins de semana. Comida  ótima, ambiente acolhedor. 


Hoje bateu vontade meio saudosa, o Ique, nosso filho, topou me acompanhar, e fomos. Estava bem cheio, mas apareceu uma mesa. Nosso filho se sentou, eu me acomodei (uma vez que já cheguei sentado), e a amável garçonete logo se aproximou. Depois dos cumprimentos, ela puxou um pouco para trás a cadeira a meu lado, e ficou olhando em torno.


Eu lhe disse, de mansinho:


- ela não virá mais!


Inteligente, rápida, ela me olhou nos olhos, voltou a cadeira para o lugar, e vi o brilho solidário em seu olhar umedecido. Um pequeno silêncio. Segurei meu choro, pedi uma caipirinha, e ouvi rápidas e suaves palavras de solidariedade e consolo, vindas do fundo de sua alma, provavelmente evangélica. Trocamos sorrisos de compreensão, respiramos fundo, e restabeleceu-se a ordem previsível no lugar.


Fiquei matutando entre golinhos da caipirinha bem tirada. Achei incrível que nem por um segundo tenha passado por sua cabeça que se tratava de uma separação, coisa assim. Eu sem a Katinha, ficou o subentendido, a morte haveria de ter se intrometido.


Semana passada, no zap, eu dizia à minha amada Marcinha, cunhada e madrinha de casório, como a tristeza crescia nessa época do ano. Mesmo não sendo nada natalino, nunca fui, o buraco no peito de tanta saudade da minha Flô, nessas viradas de ano, ameaça ser maior que o próprio peito.


Acho que estou entendo mais o recadinho que a Marcinha me mandou:


"pois é meu querido... imagino o quanto é difícil... mas sabe de uma coisa? o tanto que vc e Katita pareciam 1 só,  vc tá indo muito bem nessa vida!" E mais não disse, nem carecia.

 Postado no Facebook em 15/12/19

Eu atualmente quase não saio de casa. Quando saio, especialmente quando não se trata de cuidar da saúde e derivados, cada coisinha tem que gerar suas histórias. Sou conversador e sempre fui viciado em gente e em seus causos, verdades e mentiras.


Dizem que fui clonado de minha finada mãezoca, mas que algum choque inverteu os circuitos. Dona Regina era calada, discreta, prudente. Eu saí barulhento, exagerado e imprudente. Ela contava que desde que comecei a falar, mesmo já atingido pela pólio e suas lutas, eu era conversador, exibido, ia para os braços de quem se oferecia, e sedutor. Mãe é bicho danado de esquisito, quando o assunto é o que lhe foi gerado no ventre, ou mesmo gerado em sonhos adotivos.


Baixando a bola para mais um casinho de shopping. Eu havia me decidido a esfaquear a barriga de minha dieta, e, sob o trauma, matar o desejo anual de comer pannetone. Mas tinha que ser Bauducco, por exigência. E lá fomos para a Casa Bauducco.


Olha daqui, confere dali, e eis que me socorre uma mocinha linda, uniformizada, com uma daquelas bandejas, ou balaios, penduradas no pescoço, parecendo baleiros dos cinemas de ontem, oferecendo uma degustação, e recitando as virtudes de seu produto. Disse eu:


- gostoso demais. Comprei um do Verdemar, mas achei estranho, seco demais.


Disse ela:


- veja a diferença. Tem que ser assim molhadinho.


E eu:


- é, tem que ser sempre molhadinho. Assim que é gostoso.


Antes de terminar minha tréplica, senti que o botão da sacanagem tinha sido involuntariamente ligado. Só assuntei com o rabo de olho, e vi um certo constrangimento na cara da linda mocinha. Pressenti que, sem querer, eu havia vazado algum limite da convivência respeitosa e das boas maneiras.


Fazer o quê, meu pai Oxalá, se a degustação estava mesmo molhadinha e gostosa. E eu fora convencido a comprar o produto. É o tom. Já ouvi muitas vezes que carrego uma safadeza crônica na fala e no olhar. Saibam que isso é deslavada mentira, mas se, por acaso, for um pouquinho verdade (não acredito), terei que me cuidar. Coisas crônicas se agudizam com a velhice, e deve ser bem desagradável pegar a fama de velhote perverso, em companhia de quem melhor não ficar sozinha. Na linguagem de antanho se dizia velho tarado. Cruz credo. Quero ter um fim de vida calmo, meditativo, empático, compassivo, se possível com uma cara de Buda (atenção! Eu disse Buda).

segunda-feira, 23 de março de 2020




Há vários longos anos, novas complicações em minha saúde me empurraram para uma aposentadoria um pouco precoce. Passei, então, a viver num semi-isolamento social. Logo me ajeitei, apoiado numa vida caseira dinâmica e afetuosa. Sem sofrimento.
Com a morte da Katinha, amor da minha vida, há 649 dias, houve uma mudança profunda em minha vida. Por razões várias, fui caminhando para um isolamento intenso, e só não mais severo porque as fantásticas redes sociais, e os amigos que fui encontrando, em grande maioria virtuais, me mantiveram em equilíbrio e em chamêgo com a existência.
Mas, nos moldes em que construí minha vida, enquanto na ativa, vida ativa, afeiçoada ao amor e ao trabalho, meu cotidiano passara a ser de isolamento após a viuvez. Mais do que apenas costume, adquiri gosto pela vida assim. Sem sofrimento.
Meu isolamento convivia bem, e até se equilibrava com a vida em movimento e liberdade que eu percebia na vida e nas histórias dos amigos. Acho que era um modo de estar em circulação também, e de vivenciar liberdade de movimentos.
Foi isso o que mudou, estou quase certo. No meu cotidiano, afora uns bons incrementos nos cuidados caseiros, e o fato de ter o meu filho por perto todo o tempo, em home office, minhas atividades vem sendo quase as mesmas, no mesmo ritmo.
Então, porque essa estranha sensação de sufoco, e essa sombra de tristeza sobrevoando minha cabeça? Claro que, de um lado, essa tragédia desconhecida e sem tamanho é determinante. Mas, ver os amigos, e as pessoas em geral, desnorteadas e sofrendo com o isolamento social a que estão, digamos, compulsoriamente sujeitas, isso quebrou a equação de meu equilíbrio.
Parece que passei a sofrer, a me fazer ansioso com o sofrimento que o isolamento vêm trazendo a elas. Fico impotente, sem saber o que fazer ou dizer. Sem saber como ser companhia, divertí-las um pouco.
E o mais angustiante é imaginar que estamos apenas no início de uma história desconhecida. Que mais que um episódio efêmero e passageiro, daqueles que rendem boas histórias futuras, estamos todos frente a uma grave mudança na vida, pessoal e social que não virá num estalar de dedos, mas sim de uma crítica radical, e inadiável, de nossas incompetências, e da insustentabilidade de uma vida tão desigual.
Cá no meu canto, sonho que essa realidade modificada traga a humanização na comissão de frente.