quarta-feira, 22 de abril de 2009

Louco por nós


Na certa você já conviveu, mesmo que não de muito perto, com episódios severos de sofrimento mental. Um daqueles pacotaços que costumam nos apresentar com o carimbo de loucura. Primeiro impulso mais usual, acionado pela família, até por amigos: negar, disfarçar, maquiar as aparências. O tempo, ele mesmo, o sempre implacável, se encarrega de demonstrar a infelicidade, mesmo a imbecilidade de tal gesto. No passado talvez não houvesse alternativa ou saída, obrigando a tais terríveis gestos. Hoje, a exclusão social ou familiar do doente mental é ação da mais requintada covardia, do mais vil desleixo. Coisa que a ignorância não justifica, mesmo que possa amenizar.
Glória Perez é mestre na difícil arte das telenovelas, e, dentro delas, mestre na abordagem de temas delicados, conseguindo aí manter reduzido o grau de apelação e baixaria. Coisa de quem sabe fazer, de quem consegue, deixando de lados recursos manjados, espalhar sementes de reflexão e de compaixão no sofá, na mesa, e mesmo na cama de dezenas de milhões de brasileiros. Sei que não é bonito tê-la, mas confesso minha inveja. As novelas servem doses cavalares de xarope, mas servem também fortificantes e vitaminas. Elas chacoalharam, e empurraram adiante, a história cultural de nossa pátria grande e boba, mas isso é outro assunto, com choros próprios.
 Esse papo todo visava apenas registrar as emoções trazidas pelo personagem Tarso, vivido com extraordinário talento pelo  ator Bruno Gagliasso em "Caminho das Índias", e registrar, ainda, a delicadeza com que Glória Perez - como se emprestando uma lupa a cada espectador - nos conduz à intimidade de um surto e de todo o drama que o cerca. A cena partilhada ontem por Tarso, em crise nos confins de seu quarto, e por sua irmã, interpretada pela Maria Maya, foi arrasadora. Perdi o fôlego (artigo que anda em falta por aqui), dividi com a Katinha umas lágrimas sem vergonha.

2 comentários:

  1. Perdi essa cena, Paulão, mas assisti uma em que um gato preto sai do teto e achei fantástica (me lembrou os contos de terror do E.A.Poe). A relação que a autora faz entre as castas indianas e a realidade brasileira é bem legal, didático e vitamínico, é como se os "loucos" daqui fossem os "dalits" de lá. São ambos intocáveis, a "poeira na sola dos nossos pés"! Mas discordo como a novela mostra os psicopatas, acho a personagem daquela tetéia da sabatela xarópico e inverossímil, tanto quanto a família indiana que dança para ir no banheiro. Abraço!

    ResponderExcluir
  2. No básico, concordo com sua discordância. Quero ver a Sabatela quando a coruja piar, por enquanto ela é um convite a ser psicopatiado. Dançar para ir ao banheiro é até tolerável, dependendo do aperto. Dura é a vida de famílias daqui, extra novela, que dançam para ir ao médico e à escola, tudo ao ritmo da marchinha "Bobeou, dançou", tocada nas melhores filas a partir das duas e meia das matinas. Torço para que seu galo perca de pouco... abração.

    ResponderExcluir