sábado, 16 de fevereiro de 2019



Amor não é um sentimento, é uma habilidade. Com tal poderoso petardo do jovem filósofo suiço Alain de Botton gastei algumas horas dessa noite meio insone. Com a chuvinha persistente, a noite era um convite ao bom sono, mas troquei parte dela, quietinho e deitado, por aquele que talvez seja hoje meu esporte ou hobby predileto. Pensar. E me esforçando por reduzir ao possível ansiedade e angústia, estados d'alma que não sabem ver o cidadão matutando, e logo querem um lugar na mesa, um copo pra beber de sua bebida. Pensar deve trazer conforto e dar prazer. E nunca culpa por horas, ou mesmos minutos, pretensamente perdidos. Pensar  não traz lucro, nem gera prejuízos, ao menos não deveria, posto que não é mercadoria.

Livre pensar é só pensar!

Repito o dito do Botton: amor não é um sentimento, é uma habilidade. E vejo portas se abrindo a tamanha lucidez. E tocando em algo que me é muito caro, e que me cobre de cuidados ao me expressar. De tanto cantar e decantar meus amores, e tão especialmente o longo e delicioso amor vivido com a Katinha, amor da minha vida, sempre temi, e temo, escorregar para uma visão idealizada do amor, da qual absolutamente não compartilho, e levar às pessoas a falsa impressão de que estávamos, ela e eu, destinados um ao outro, de que seríamos escolhidos e abençoados por Deus ou pelo Diabo, ou que, como cantaria a Tetê Espínola, nosso amor estava escrito nas estrelas. Na na nim na não.

O pior produto dessas idealizações, e já falamos disso nesses papos por aqui, é, eventualmente, mesmo após um doce suspiro, levar sofrimento às pessoas. Se a pessoa embarca nessas idealizações, e num parco auto-exame se sente não contemplada nesse sorteio, talvez cósmico, cujo prêmio é a felicidade e uma imaginária vida de encantos, ela acabará se fazendo infeliz. E nos colocando, Katinha e eu, num patamar onde a felicidade seria a norma, numa vida de fluxos e sentimentos positivos. E sendo a vida só uma, e danada de curta, se chegaria a perguntar: porque que não sobrou nem um pouco dessa festa para minha dança.

Se levarmos adiante a fantasia de que no amor, em seus momentos mais vibrantes, ficaria clara a certeza de que fomos feitos, nas tramas do destino, um para o outro, teríamos que inventar conversa nova se tentarmos entender algo mais comum do que parece. Casais, e não importa com qual afetividade se escolheram, ou encontraram, vivem como dois pombinhos durante anos a fio. Olhamos encantados: ah, o destino! Mas de repente, por tantas razões quanto o número de habitantes do planeta, eclode a crise, a separação e, não raro, aquele tanto amor, por reações que os alquimistas de todas as eras e latitudes nunca conseguiram decodificar, se transforma em desprezo, muitas vezes em ódio (e, atenção, não estão aqui em foco as muitas e muitas separações que se transmutam em companheirismo, belas amizades etc).

Não. O amor não é um sentimento, é uma habilidade. Ultrapassado o primeiro clic, ou atração, que obviamente existe, no momento seguinte o amor já é uma construção, uma habilidade. Nessa habilidade, e aqui decolo eu, o fator preponderante, vital, é a comunicação. Comunicação (que pode render outras conversas, mais puxadas) porque é relacionamento, e não existe outro meio de se relacionar. Comunicação com perfil próprio, onde o silêncio, e cada vez mais com o passar do tempo, ocupa, ou deveria ocupar, uma maior centralidade. E que não se confunda silêncio com palavra sufocada, com impedimento de se manifestar, ou com prostração diante da desatenção e do desprezo alheios. Falo de silêncio ativo, parte da conversa, economia de palavras diante da empatia com a parceira, ou parceiro. Silêncio sem ansiedade, que abriga sorrisos ou olhos cerrados. Silêncio que permite a dois, ou mais, envolvidos matutar juntos, mas separados. Silêncio que permite a dois seres humanos, por exemplo, contemplarem o universo em noite estrelada, vivendo a comunicação intensa de uma mão de um repousando sobre a mão de outro.

O papo é sem fim quando um tal assunto me pega no perdeu, playboy! A comunicação no amor, habilidade a se trabalhar, não é inata, exige que o outro seja reconhecido em sua inteireza, e assim acatado e respeitado. Se se estabelece uma hierarquia no direito à percepção bem informada do mundo, ou à expressão, em especial à fala, o amor já vai saindo de fininho pra fazer sua mala e buscar outro pouso. Manter viva a comunicação efervescente que se estabeleceu na intensidade das primeiras paixões, com a calma que naturalmente o tempo fez pousar, é uma das chaves do aparente mistério que faz boas relações duradouras brilharem aos olhos exteriores.

Brincando com as palavras antes do fim (certamente provisório): a habilidade com as habilidades é que abre o palco para a representação dos sentimentos no amor. E quem fecha as cortinas somos nós mesmos.

Boas matutagens nessa tarde chuvosa e quase fria de sábado. Ao menos em Beagá.

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