quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

De retenções e arrepios

Gosto muito de dirigir, em especial quando o chão é uma estrada. Sou motorista há quase 40 anos, época em que entregar uma carteira de motorista a um deficiente físico não era fato comum, tratado com a quase normalidade de hoje, conquistada com muita briga. Acumulei experiência, aprimorei o tino para a arte de conduzir o carro, sentindo-o como extensão tecnológica do corpo. Para mim, quase sempre, dirigir é liberdade e prazer.

Por razões diversas, há dois anos eu não enfrentava um bom trecho de estrada. Temi por minhas condições físicas atuais, cheguei a trocar uma idéia com o médico sobre a questão, mas bastou meia horinha de asfalto para me restituir a confiança. Sempre fui bom motorista de estrada, quando menino ser caminhoneiro era o sonho profissional que mais me estimulava. E lá fomos, Katinha, Ique e eu, para uma dezena de dias em Teófilo Otoni, nordeste de Minas, na dita "Pensão Ideal", também conhecida como casa de meus sogros, Seu Carrin e Dona Filhinha. Viagem tranquila, gostosa, apesar da estrada lotada e de uma retenção de uma hora, sob o sol do meio-dia, diante da obra de um gasoduto, coisa assim.

A volta se dava no mesmo ritmo e jeito, as retenções tendo passado de uma para duas. E foi na segunda delas que se deu o episódio que ainda me arrepia. Uma boa meia hora antes, numa subida forte, eu havia ultrapassado uma carreta, tipo cegonha, placa DPC-4846, que, sem carga, trafegava de modo tresloucado rumo a Belo Horizonte. Depois disso, era olhar no retrovisor e, quase todo o tempo, vê-la em sua desabalada carreira. Tentei, e consegui, abrir uma boa distância. Mas, aí, vem a segunda retenção, e me vejo posicionado, na fila parada, pouco depois de uma curva. Fui parando, mas todos os instintos se acenderam. Sem visibilidade de minha retaguarda, acho que fui movido pelo chacoalhar distante daquela carroceria vazia. Pedi à Katinha para acionar o pisca alerta, abanei o braço pela janela, na tentativa vã de sinalizar o perigo. Tudo num fiapo de segundo. Aumentou o chacoalhar do caminhão, enfiei o carro pelo acostamento estreito, onde havia algumas pessoas, e só deu para escutar a frenagem violenta, os pneus arrastados no asfalto.

Olhei para trás, a carreta estava quase atravessada na estrada, e ocupava exatamente o lugar onde estaríamos se não fosse aquela saída de emergência. Troquei olhares amorosos com minha mulher e meu filho, aliviados. Sabíamos que uma grande desgraça batera na trave. O motorista de outro caminhão, que estava ali parado, veio praguejar contra o colega de profissão e elogiar minha perícia na situação. Observou que meu carro era adaptado, e quis saber, solidário, se o tremor de minhas mãos se devia ao ocorrido, se eu estava em condições de seguir viagem etc. Agradeci, e disse que aquele tremor era meu mesmo, normal, o que era só uma meia verdade. Sempre tremo, ao menos um bocadinho nas horas calmas, mas ali minhas mãos refletiam o coração, que ainda parecia palpitar no gogó, perto da boca. Ainda sinto uns arrepios, só em contar o caso.

2 comentários:

  1. Nó, ocê tá virando o rei das finas em tragédias, sô. Pelo menos aqui no blog. Quase afogado em Angra... vivendo o Encurralado (Spielberg) made in Minas...

    Enquete: Qual será a próxima aventura do Paulim?
    a) Um passeio de canoa pelos reservatórios de água de Sampa, tirante os pequenos como Guarapiranga e Billings.
    b) Uma descida em folha de bananeira pela pista nevada mais longa de Gstaad.
    c) Um mergulho na Lagoa da Pampulha sem escafandro-de-vênus.
    d) Um passeio de madrugada pelas ladeiras do Morro do Mangueira, trajando a gloriosa camisa da Beija-Flor.
    e) Uma segunda Lua de Mel com a Katinha... no Haiti.

    Espero que a farra tenha sido boa lá em Toflotoni. Bão demais tê-lo de volta ao Rindo.

    Beijão

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  2. Nossa! Por isso desisti de dirigir, não tenho, reconhecidamente, sua destreza. Seu anjo da guarda anda tendo trabalho, hein?
    Beijoca

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