quinta-feira, 2 de julho de 2009

Terminar em pizza? Nem pensar...

Haverá quem não goste de uma boa pizza? Talvez, sentimento minoritário. Eu mesmo, gorducho carente de vergonha na cara (de há muito se apagaram as lamparinas de meu juízo), se pinta uma brecha, e a culpa deixa, encaro um pedaço da danada. Se possível daquelas mais altinhas, tipo massa pan da Pizza Hut, e percorro curioso todo o repertório de sabores. Duas ou três fatias fazem minha festa, como devagar e com prazer, definitivamente não nasci pra ser glutão. Gosto de comer pizza, mas, muito mais que isso, detesto ser devorado em fatias.

A medicina, por estranho vício gastronômico, anda optando por nos deglutir em fatias. É um mundo de especialistas e máquinas maravilhosas, exames e diagnósticos incapazes de abrir seus focos, voltados à pretensamente profunda compreensão das pequenas porções de seres que, queiram ou não muitos doutores, só sabem viver e morrer inteiros. Houve tempo em que eu falava sobre tal esquartejamento usando o açougue como analogia, mas soava muito trágico. Penso que não é exagero, ou excesso, querer ser percebido como um todo, como um sistema de partes interdependentes. Sistema, além do mais, provido de história própria, e única, e sentimentos. No corpo, em cada corpo, está inscrita uma história singular, a ser decodificada e compreendida, quase como condição essencial para o bom diagnóstico e a transformação do estado de saúde, e, quando possível, para a cura. É querendo isso que buscamos o médico, como outros buscaram sacerdotes e feiticeiros. Posso até entender, mas nunca justificar, a pressa e a desatenção médicas ocasionadas por condições precárias de trabalho, e mesmo pela crescente proletarização dos profissionais. A verdadeira questão é outra, é de princípios, e será decidida, se o for um dia, mais no campo da ética que na mesa de negociações.

Na minha recente crise de saúde, tentando explanar e refletir sobre meu estado, ainda internado na UTI, ouvi a sentença brochante: "vejam, mais um doutor de internet". A ironia vinha do doutor cobrão e dedicado, a quem, penso, devo a consolidação de minha sobrevivência. Eu tentava relacionar o que me ocorrera e a síndrome da pós-pólio, sobre a qual eu vinha lendo, e discutindo em grupos internáuticos, há anos. Enguli minha insignificância, inclusive porque ali não era prudente afrontar quem quer que fosse. Mas qual não foi minha surpresa, e muda vingança, quando, dois dias após, no mesmo local, eu, semi adormecido, ouvi surpreendente conversa ao pé de minha cama. Era o assistente do tal doutor dizendo a um grupo que, pelas caras entre aflitas e espantadas, parecia ser de médicos residentes: "estamos fazendo um levantamento, inclusive através da internet, e parece que esse paciente foi acometido por complicações inerentes à síndrome da pós-pólio. Aos que não a conhecem, a síndrome da pós-pólio é caracterizada por..." Ufa!!!, baixou um bom alívio, o sono veio pesado e reparador.

Com esse converseiro, o que eu queria mesmo é comemorar um encontro que me deixou animado e esperançoso. Quase por golpe de sorte, já que encaminhado por médico ao qual cheguei por engano, fui me consultar com o pneumologista Dr. Mauro. Foi atracar e sentir que o porto era seguro. Fiquei até desconfiado e confuso diante de sua capacidade de ouvir, observar e sentir seu cliente, e, a partir daí, construir com o cliente diagnósticos e encaminhamentos. Os compromissos sempre são mais duradouros e profícuos que as ordens ou temores. A Priscilla, gente finíssima, fisioterapeuta que está me re-ensinando a respirar, pôs a maior fé no encontro, ela que já foi treinada pelo Dr. Mauro, e o julga um bamba do assunto. Pois é, estou cheio de gás (de preferência não o carbônico) e otimismo.

*esse texto é dedicado à Dra. Marcinha, cunhada e madrinha, que não se cansa na luta por ser a melhor médica possível.

Um comentário:

  1. Meu MUITO querido cunhado e afilhado! Muito grata pelo texto! pode estar certo que a sua história não sai do meu dia-a-dia. Me ensinou muito, me fez refletir e tentar ser melhor. Não só como médica,mas também como pessoa. Te Adoro, Beijo, Marçoca.

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