quarta-feira, 21 de abril de 2010

Salve Brasília! Salvemo-la...

Millôr Fernandes havia dito, n'A Bíblia do Caos: "Brasília é o desnecessário tornado irreversível". Acho e não acho. Dou a Brasília meu repúdio pelos danos que ela causou ao exercício do poder político entre nós, mas dou-lhe, ao mesmo tempo, minha paixão por aquele projeto urbanístico onde eu adoraria viver, talvez um olhar viciado de cadeirante, iludido pela planura e pelos amplos espaços públicos.

Há exatos 50 anos, lembro-me, menino, excitado com aquele dia da inauguração de uma cidade meio maluca que ocupava todos os assuntos e revistas ilustradas, como O Cruzeiro e Manchete, das quais eu era viciado leitor. Arquitetura revolucionária, Juscelino, festas badaladas da mais fina elite, lamúrias por um Rio de Janeiro usurpado em seus sentidos e vocações, cenas de um cerrado então exuberante, entrevistas com brasileiros que haviam acorrido de todos os rincões em busca da nova vida que a cidade prometia. Entre os tantos encantos da data, um, no entanto, amarrava especialmente minha atenção.

A TV Itacolomi (dos Diários e Emissoras Associados), canal 4, prometera integrar Minas Gerais ao link para a primeira transmissão de um evento que se ambicionava mostrar, de modo simultâneo, a pontos diversos de um país então imenso, por inalcançável à mesma imagem televisiva. Num ousado projeto, daqueles à la Chatô, aviões ficariam sobrevoando áreas diferentes no espaço aéreo entre o Planalto Central e as principais capitais do sudeste. O sinal da transmissão passaria por antenas situadas nesses aviões até pousar nos precários links já existentes. Vai dar certo? Chega, ou não chega? De repente, imagens meio piscantes, naquele preto e branco embaçado, inundaram nossas casas. Brasília estava sendo inaugurada ao vivo. Era a emocionante vitória de uma modernidade que desde sempre me envenenou.

Brasília vingou como cidade e como monumento tombado pela admiração mundial. Mostrou-se profundamente brasileira ao gestar nos seus entornos um cinturão de pobreza, mesmo de miséria, depósito daqueles a quem se reservou só despojos do sonho imenso. Nos rastros de sua breve história se arrasta uma dúvida insanável: o que teria significado a nova capital para nossa convivência política, para nossa vida republicana, se metade de sua existência não tivesse se passado sob os tacões da ditadura militar, com suas regras tão próprias para a organização do poder, para a distribuição de benesses e para cevar "lideranças" viciadas e carcomidas?

Penso Brasília como sonho e pesadelo. Linda sob aquele céu azul, emoldurada pelo infinito de seus horizontes, nela floresceram fartos espaços sombrios, aparentemente adequados à política safada e aos negócios escusos. O que lhe falta, não como cidade, mas como capital do Brasil, já que esse era seu desenhado destino? Porque, ali, parte preponderante dos agentes políticos sentem-se tão desobrigados dos temores devidos à pressão popular numa democracia que se queira moderna? Quando ela se tornar secular, quase adulta, os de vocês que porventura ainda pelejarem por aqui, talvez tenham arrancado dessa Brasília de todos nós alguma resposta, quem dera até alguma transformação positiva. Por enquanto, creio, o melhor a fazer é amá-la com cívica paixão, é ficar do bom lado nas lutas que ali se derem. Parabéns!

3 comentários:

  1. Também fico até hoje meio dividido em relação a Brasília. Mas cada dia menos, o fiel da balança pendendo cada vez mais para o prato vazio - mas pesado por si mesmo - da inutilidade, do desperdício, do oco do absurdo. Uma capital que nos custou caríssimo, e que continua custando até hoje. A vida dos que a justificam (os políticos e seus assistentes ou asseclas, mais boa parte da imensa corte de funcionários públicos) não é sediada ali, e nós pagamos os custos das passagens e de outras mordomias. Sem falar nos custos, muito mais altos, que nos foram impostos pela Constituição de 88, que penalizou a todos nós, brasileiros, com o pagamento pela União das despesas com educação, saude e segurança da capital do Cerrado. Brasília não passa, modéstia de mineiro que sou à parte, de uma grande idéia de gerico tipicamente mineira, uma reedição do que foi a criação da sucessora de Ouro Preto, não na já então capital de fato - Juiz de Fora -, mas num curral plantado nos desertos ferríferos das Geraes. Bem, não fica bem falar mal de Beagá aqui no seu território beaguense: melhor eu ir lá pro meu DESINFORMAÇÃO SELETIVA cravar as esporas nas nossas bestas históricas...

    Beijão

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  2. Lembranças de Brasília....outubro de 1960, primeira vez na cidade, a caminho de Goiânia.Uma Rural Willis,lotada de gente, atolada no centro do eixão. Juntou gente prá empurrar. Em dezembro, a volta de Goiânia foi de onibus. Horas perdidas na rodoviária monumental, cheia de gente sentada pelos cantos comendo frango com farofa. Fartei-me de subir e descer na escada rolante. Em BH, deixei minhas irmãs sonhando com aquela maravilha tecnológica. Mar do sertão, voltei lá muitas vezes mas nunca mais vi lama no eixão nem frango com farofa. Em BH, a rodoviária que é mais nova ainda não tem escada rolante para as plataformas de embarque.
    Beijos.

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  3. Que bela história, amiga Ana, aventuras de uma menina quase pioneira. Pena que, então, por várias razões, os adolescentes não fotografavam até pensamentos, e todos os sorrisos, como hoje. A lama foi do eixão para os palácios, e o frango, ou gato, com farofa foi parar na Candangolândia.

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