terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 Postado no Facebook em 15/12/19

Eu atualmente quase não saio de casa. Quando saio, especialmente quando não se trata de cuidar da saúde e derivados, cada coisinha tem que gerar suas histórias. Sou conversador e sempre fui viciado em gente e em seus causos, verdades e mentiras.


Dizem que fui clonado de minha finada mãezoca, mas que algum choque inverteu os circuitos. Dona Regina era calada, discreta, prudente. Eu saí barulhento, exagerado e imprudente. Ela contava que desde que comecei a falar, mesmo já atingido pela pólio e suas lutas, eu era conversador, exibido, ia para os braços de quem se oferecia, e sedutor. Mãe é bicho danado de esquisito, quando o assunto é o que lhe foi gerado no ventre, ou mesmo gerado em sonhos adotivos.


Baixando a bola para mais um casinho de shopping. Eu havia me decidido a esfaquear a barriga de minha dieta, e, sob o trauma, matar o desejo anual de comer pannetone. Mas tinha que ser Bauducco, por exigência. E lá fomos para a Casa Bauducco.


Olha daqui, confere dali, e eis que me socorre uma mocinha linda, uniformizada, com uma daquelas bandejas, ou balaios, penduradas no pescoço, parecendo baleiros dos cinemas de ontem, oferecendo uma degustação, e recitando as virtudes de seu produto. Disse eu:


- gostoso demais. Comprei um do Verdemar, mas achei estranho, seco demais.


Disse ela:


- veja a diferença. Tem que ser assim molhadinho.


E eu:


- é, tem que ser sempre molhadinho. Assim que é gostoso.


Antes de terminar minha tréplica, senti que o botão da sacanagem tinha sido involuntariamente ligado. Só assuntei com o rabo de olho, e vi um certo constrangimento na cara da linda mocinha. Pressenti que, sem querer, eu havia vazado algum limite da convivência respeitosa e das boas maneiras.


Fazer o quê, meu pai Oxalá, se a degustação estava mesmo molhadinha e gostosa. E eu fora convencido a comprar o produto. É o tom. Já ouvi muitas vezes que carrego uma safadeza crônica na fala e no olhar. Saibam que isso é deslavada mentira, mas se, por acaso, for um pouquinho verdade (não acredito), terei que me cuidar. Coisas crônicas se agudizam com a velhice, e deve ser bem desagradável pegar a fama de velhote perverso, em companhia de quem melhor não ficar sozinha. Na linguagem de antanho se dizia velho tarado. Cruz credo. Quero ter um fim de vida calmo, meditativo, empático, compassivo, se possível com uma cara de Buda (atenção! Eu disse Buda).

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