quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O povo adora ele

Katinha, minha mulher, garimpou um texto que escrevi em 14 de abril de 2006, e postei num antigo blog, hoje hibernado, mas que já teve seus dias de ânimo. Ela sugeriu, e agora executo, sua republicação, talvez por seu tom algo profético. O texto é de 2006.

Outro dia, faz pouco, na portaria da clínica, enquanto as pupilas não se adequavam aos tamanhos exigidos pela doutora, estiquei a conversa com o porteiro solícito e de conversa boa. A vista já não conseguia decifrar o jornal repleto de previsões sobre a iminente queda do Palocci. E de fato, horas depois ele tombaria, puxado pelo tamanho e peso do nariz pinocchiano. Disse o porteiro, fala mansa, fino analista:

- “Estão querendo derrubar o Lula. Não adianta, o povo adora ele. Nem se derrubarem o Palocci, o Lula cai.”

Atiçado pela firmeza do comentarista político de balcão, tentei saber mais, enquanto a doutora não me chamava. Perguntei:

- “E o PT, como fica?”

Retrucou ele, sem pestanejar:

-“Nem me fala, moço, é igualzinho os outros. Está cheio de ladrão, de cara que só quer o dele...”

Interferi:

- Mas o Lula é do PT?”

Ele, sem perder o rítmo, sentenciou:

- “O Lula não está nem aí pra eles, ele não precisa. É o povo que vai dar a reeleição para o Lula. O senhor gosta dele?”

Uma campainha o convocou para suas tarefas. Não tive tempo de responder, e foi melhor assim. Recostei a cabeça, fechei os olhos cansados, mas ainda e sempre surpresos. Fiquei pensando na largueza do mundo, na precariedade perene de nossas análises.

Um comentário:

  1. Tadinho do Francenildo

    O governo Lula é uma fábrica de mártires republicanos.
    O famigerado Roberto Jefferson, réu confesso, pego com a mão na cumbuca, teve sua biografia reformulada depois de derrubar José Dirceu. Lina Vieira, burocrata de competência discutível, comprometida politicamente, salivou um palpite insignificante sobre evento que não conseguiu provar e se transformou na Garganta Profunda do Dilmagate. Francenildo, o caseiro honesto do lupanar, sublimou as suspeitas de receber propina e cometer falsidade ideológica, entrando no panteão da moralidade.
    O que une esses heróis é a cumplicidade inicial com algum tipo de ilicitude, depois renegada e expurgada publicamente. Os escândalos resultam de uma soma de conveniências: forneça-me uma vítima e eu livrarei a sua cara. Esse tráfico de interesses fica mais evidente quando verificamos que episódios muito semelhantes já tiveram desfechos quase opostos, dependendo dos personagens envolvidos.
    Vazamentos para a imprensa das capivaras petistas possuem “interesse público”, são demonstrações de jornalismo investigativo. Mas divulgar tucanagens comprometedoras viola sigilo bancário, é antiético, autoritário, stalinista. Os irmãos Vedoin tentaram desmascarar o esquema dos Sanguessugas com os mesmos instrumentos usados por Jefferson, só que mexeram no ninho de José Serra, e ali ninguém bole. A lista das jujubas do casal FHC virou peça de “clara motivação política”, porque, oras bolas, onde já se viu um troço desses? – e o “dossiê” falsificado de Dilma Rousseff na Folha foi, tipo assim, um erro técnico.
    Como se sabe, entretanto, este mundinho azul dá uma volta por dia. Gargalho às escâncaras diante das mudanças de humor jornalístico provocadas pela imprevisível condição humana. Até mesmo o egrégio STF, que parecia tão justo e implacável no julgamento do Mensalão, já não parece tão justo ou implacável depois de inocentar Antônio Palocci. Repetindo a previsão sobre Marina Silva, será impagável assistir seu martírio em brasa assim que começar a atrapalhar os planos de José Serra.

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